"O Brazil não conhece o Brasil" é o verso que abre a música Querelas do Brasil de Aldir Blanc eternizada por Elis Regina. Somos esta mistura de raças e culturas que pouco valorizamos.
Muito oportunamente no Carnaval de 2019 a Estação Primeira de Mangueira levantou a bandeira verde e rosa para todo o país:
Se hoje ele é branco na poesia
É o sincretismo religioso na voz de Zeca Pagodinho que nos permite ir na igreja festejar o santo protetor quanto e no terreiro pra bater o tambor:
Sou um soldado de Ogum
devoto dessa imensa legião de Jorge
Eu sincretizado na fé
Sou carregado de axé
E protegido por um cavaleiro nobre"
São Jorge ou Ogum, o guerreiro é o mesmo. Em Salvador, a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Pelourinho celebra às 3as feiras uma missa católica sincretizada com cantos e atabaques do Candomblé preservando a cultura da irmandade de negros fundada em 1685. Impossível assistir sem se emocionar.
Neste roteiro aprendemos no Instituto dos Pretos Novos que o Cais do Valongo abrigou no século 19 o maior porto receptor de escravos do mundo e "entrou, então, para a história da cidade como um local de horrores.
“Pretos novos” ou “boçais” era a denominação dada aos cativos recém-chegados da África, no Brasil, assim que desembarcavam no porto. Logo que eram vendidos e aprendiam o português passavam a ser chamados de “ladinos”.
Rua Pedro Ernesto, 5 - Gamboa
Tel (21) 98177-5428
Museu da História da Cultura Afro Brasileira MUHCAB (Centro Cultural José Bonifácio)
A história do Brasil precisa ser recontada por uma ótica não colonialista, a fim de contribuir para revelar o conhecimento e promover novas formas de reflexão sobre as origens do povo brasileiro. Estima-se de forma conservadora, que a partir de 1580, começaram a chegar regularmente os primeiros grupos de africanos escravizados no Brasil. Mas somente mais tarde, em 1640, o negócio negreiro se expande com mais força, aumentando o número de cativos com o incremento do cultivo da cana-de-açúcar e a criação de novos engenhos nas capitanias do nordeste brasileiro e na capitania de São Vicente, incluindo o Rio de Janeiro, sobretudo nas áreas que iriam se tornar na Zona Norte e Zona Oeste da cidade. No início, o mercado de africanos escravizados se estabeleceu na Rua Direita (onde atualmente é a Rua Primeiro de Março), permanecendo ali até 1774, quando o vice-rei Marquês do Lavradio deu ordem para transferir definitivamente as operações de desembarque, manejo, venda e enterro de cativos para a região do Valongo. É dele a autoria da frase: Os escravos que não forem vendidos não sairão do Valongo nem mortos. O processo a que estes homens e mulheres (em sua maioria, muito jovens) foram submetidos é de uma violência descomunal. Pelas ruas do bairro do Valongo, estima-se que tenham passado mais de um milhão de africanos capturados para servirem à escravidão.
O Brasil foi o maior mercado escravista do mundo durante o século XIX, e foi também o último país a extinguir a escravidão africana nas Américas. Este mercado de seres humanos atingiu o seu ápice após a chegada da família real portuguesa, em 1808, fugida das tropas de Napoleão Bonaparte (que invadira Portugal por não respeitar o Bloqueio Continental imposto à Inglaterra). É nesse período que o Valongo se estabeleceu como a área comercial mais rentável na cidade do Rio de Janeiro, com o mercado de africanos escravizados. Cerca de 40% dos africanos cativos chegavam muito debilitados e acometidos de diversas enfermidades, desnutridos ou feridos, e por isso eram encaminhados para o Lazareto de Escravos, que funcionou nas ilhas de Bom Jesus, Enchadas e depois, no litoral da praia do Propósito, Saco da Gamboa. Era na enseada do Valonguinho, na confluência com a Rua do Valongo (Rua Sacadura Cabral com a Rua Camerino) era o ponto de concentração das casas de venda dos cativos. Há relatos de que estendeu-se também para a rua da Praia do Valongo (atual Rua Sacadura Cabral) e Prainha (Largo de São Francisco). O Valonguinho compreendia a área da pequena enseada entre a Pedra do Sal e a Pedreira do Valongo. Pesquisas apontam que a cultura afro-carioca o seu berço nesta região. Nas proximidades do Valonguinho, trabalhadores do porto, descendentes de escravos, imigrantes europeus e boêmios cariocas, formataram aquilo que conhecemos como “alma carioca”. Foi ali que Donga, Pixinguinha e outros bambas ajudaram a criar o Chorinho e o Samba de roda carioca. A região portuária era tão rica culturalmente que, na década de 50 do século XX, o compositor e artista plástico, Heitor dos Prazeres, batizou a região como “Pequena África”.
Largo de São Francisco da Prainha
Pedra do Sal
Morro da Conceição
Jardim Suspenso do Valongo
Centro Cultural Pequena África
Casa da Tia Ciata
Largo do Depósito
Armazém Docas Dom Pedro II
Cais do Valongo (Patrimônio Cultural da Humanidade – Unesco).
Casa de Machado de Assis
Revolta da Vacina
Prata Preta
Centro Cultural José Bonifácio
Cemitério dos Pretos Novos
Lazareto
Querelas do Brasil (Aldir Blanc)
O Brazil não conhece o Brasil
O Brasil nunca foi ao Brazil
Tapi, jabuti, liana, alamandra, alialaúde
Piau, ururau, aquiataúde
Piau, carioca, moreca, meganha
Jobim akarare e jobim açu
Oh, oh, oh
Pererê, camará, gororô, olererê
Piriri, ratatá, karatê, olará
O Brazil não merece o Brasil
O Brazil tá matando o Brasil
Gereba, saci, caandra, desmunhas, ariranha, aranha
Sertões, guimarães, bachianas, águas
E marionaíma, ariraribóia
Na aura das mãos do jobim açu
Oh, oh, oh
Gererê, sarará, cururu, olerê
Ratatá, bafafá, sururu, olará
Do Brasil…
GRES Estação Primeira de Mangueira, Samba Enredo 2019
Mangueira, tira a poeira dos porões
Ô, abre alas pros teus heróis de barracões
Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões
São verde e rosa, as multidões
Mangueira, tira a poeira dos porões
Ô, abre alas pros teus heróis de barracões
Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões
São verde e rosa, as multidões
Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra
Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato
Brasil, o teu nome é Dandara
E a tua cara é de cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati
Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
Olha nós aí de novo
Pra sambar no picadeiro
Arma o circo, chama o povo, Salgueiro
Aqui o negro não sai de cartaz
Se entregar, jamais
Na corda bamba da vida me criei
Mas qual o negro não sonhou com liberdade?
Tantas vezes perdido, me encontrei
Do meu trapézio saltei num voo pra felicidade
Quando num breque, mambembe moleque
Beijo o picadeiro da ilusão
Um novo norte, lançado à sorte
Na companhia do luar
Feito sambista
Alma de artista que vai onde o povo está
E vou estar com o peito repleto de amor
Eis a lição desse nobre palhaço
Quando cair, no talento, saber levantar
Fazer sorrir quando a tinta insiste em manchar
O rosto retinto exposto
Reflete no espelho
Na cara da gente um nariz vermelho
Num circo sem lona, sem rumo, sem par
Mas se todo show tem que continuar (bravo!)
Bravo
Há esperança entre sinais e trampolins
E a certeza que milhões de Benjamins
Estão no palco sob as luzes da ribalta
Salta, menino
A luta me fez majestade
Na pele, o tom da coragem
Pro que está por vir
Sorrir é resistir
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não
Senão é como amar uma mulher só linda
E daí?
Uma mulher tem que ter qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor e pra ser só perdão
Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não
Feito essa gente que anda por aí brincando com a vida
Cuidado, companheiro
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom ninguém vai me dizer que tem sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu e assinado embaixo
Deus, e com firma reconhecida
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Eu, por exemplo, o capitão do mato Vinícius De Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior ialorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
A bênção, Pixinguinha, tu que choraste na flauta, todas as minhas mágoas de amor
A bênção, sinhô, a benção, Cartola
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pereira
A bênção, meu bom Cyro Monteiro você, sobrinho de Nonô
A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes sambistas do Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antônio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido, que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas por viajar
A bênção, Carlinhos Lyra, parceiro cem por cento
Você que une a ação ao sentimento e ao pensamento
A bênção, a bênção, Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo, que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos, que não és um só, és tantos como
Tantos como o meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá, a bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Ele é negro demais no coração
Ele é negro demais no coração
Ele é negro demais no coração
Eu sou descendente Zulú
Sou um soldado de Ogum
devoto dessa imensa legião de Jorge
Eu sincretizado na fé
Sou carregado de axé
E protegido por um cavaleiro nobre
Sim vou nà igreja festejar meu protetor
E agradecer por eu ser mais um vencedor
Nas lutas nas batalhas
Sim vou no terreiro pra bater o meu tambor
Bato cabeça firmo ponto sim senhor
Eu canto pra Ogum
Ogum
Um guerreiro valente que cuida da gente que sofre demais
Ogum
Ele vem de Aruanda ele vence demanda de gente que faz
Ogum
Cavaleiro do céu escudeiro fiel mensageiro da paz
Ogum
Ele nunca balança ele pega na lança ele mata o dragão
Ogum
É quem da confiança pra uma criança virar um leão
Ogum
É um mar de esperança que traz a bonança pro meu coração
Ogum
"Deus adiante paz e guia
Encomendo-me a Deus e a virgem Maria minha mãe ..
Os doze apóstolos meus irmãos
Andarei nesse dia nessa noite
Com meu corpo cercado vigiado e protegido
Pelas as armas de são Jorge
São Jorge sentou praça na cavalaria
Eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia"
Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Para que meus inimigos tenham pés e não me alcancem
Tenham mãos e não me peguem e não me toquem
Tenham olhos e não me enxerguem
E nem em pensamento eles possam ter para me fazerem mal
Armas de fogo o meu corpo não alcançarão
Facas e lanças se quebrem se o meu corpo tocar
Cordas e correntes se arrebentem se o meu corpo amarrar
Pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Jorge é da Capadócia.